Semana de caos em SP: ventania histórica derruba energia, afeta aeroportos e gera prejuízo bilionário
13/12/2025
(Foto: Reprodução) A forte ventania que atinge São Paulo derrubou Papai Noel da decoração de Natal da Avenida Paulista
Reanto S. Cerqueira/ Ato Press/Estadão Conteúdo
Depois de uma paralisação de ônibus que afetou 3,3 milhões de pessoas e provocou 1.486 km de congestionamento na última terça-feira (9), São Paulo voltou a enfrentar transtornos no dia seguinte: uma ventania inédita atingiu a capital com rajadas de até 98 km/h, deixando mais de 2 milhões de moradores sem energia.
Aeroportos foram impactados, mais de 400 voos foram cancelados e o apagão já somava R$ 1,54 bilhão em prejuízo ao varejo e ao setor de serviços até a última quinta-feira (11), segundo a Fecomercio-SP.
Foi uma semana marcada pelo caos na mobilidade, no fornecimento de energia e nas operações aéreas. Veja mais detalhes abaixo:
Quarta (10): rajadas de vento inéditas
Marginal Pinheiros, na altura da Raia Olímpica da USP
Arquivo pessoal/César Soares
Um forte vento começou na manhã da quarta-feira (10) e seguiu intenso até a noite. Desde as 9h, as rajadas ultrapassaram 75 km/h em diversos bairros. No Mirante de Santana, na Zona Norte, o Inmet registrou ventos de 80 km/h.
A maior rajada do dia foi registrada pelo Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) na Lapa, Zona Oeste, e chegou a 98,1 km/h.
Ao g1, a Defesa Civil confirmou que os ventos fortes foram efeitos do ciclone extratropical que se formou no Sul do Brasil e também impactou a capital paulista e a região metropolitana.
De acordo com meteorologistas, a longa duração do vendaval surpreendeu os especialistas e não tem precedentes na capital paulista. Em outras ocasiões em que a capital registrou ventos tão fortes, como em setembro, quando o Campo de Marte marcou 98,2 km/h, a cidade enfrentava temporais.
Desta vez, porém, o céu permaneceu firme, com sol entre nuvens e nenhum sinal de chuva, o que aumenta o caráter incomum do evento. Foi a maior velocidade de uma rajada sem presença de chuva desde 1963, quando o Inmet começou essa medição.
Os ventos fortes deixaram um rastro de destruição na capital e na região metropolitana de São Paulo: mais de 2 milhões de imóveis sem luz no pico e queda de 151 árvores. Houve estragos em todas as regiões da capital e também pela Grande SP:
Na Marginal Pinheiros, uma placa de sinalização ameaçou cair sobre os carros na altura da Raia Olímpica. Quatro faixas precisaram ser interditadas para o reparo;
Em Guarulhos, na Vila Galvão, a marquise de uma loja despencou sobre os veículos que estavam estacionados. Ninguém ficou ferido;
Na Zona Sul da capital, a fachada do Colégio Guarapiranga entortou com a ventania, e as placas de energia solar quase foram arrancadas pelo vento. No Centro de Educação Infantil da Vila Clementino, telhas se soltaram e saíram voando. Em Parelheiros, uma telha enorme foi parar no meio da rua e bloqueou o trânsito;
No Portal do Morumbi, os vidros de duas torres de um condomínio não resistiram às rajadas;
Em Santana de Parnaíba, até a decoração de Natal foi atingida. “Caiu aqui com a ventania”, relatou um morador;
Na Avenida Paulista, o Papai Noel da decoração natalina tombou com a força do vento;
Em São Bernardo do Campo, a cobertura de um posto de gasolina balançou até cair;
O transporte público também sentiu os efeitos das rajadas. A Linha 10–Turquesa da CPTM passou a operar com intervalos maiores devido a uma avaria na rede aérea, sistema que alimenta os trens, provocada pela queda de um cabo durante os ventos fortes, segundo a companhia;
Por causa da falha, os trens que seguem para Rio Grande da Serra não estão parando na Estação Capuava. Passageiros que precisaram desembarcar ali tiveram que descer em Mauá e retornar. Quem estava em Capuava e queria ir em direção a Rio Grande da Serra precisou seguir até Santo André e fazer o trajeto inverso;
Os parques Ibirapuera, Eucaliptos, Jacintho Alberto, Jardim Felicidade, Tenente Faria Lima e Lajeado foram fechados até o fim do dia, segundo a Urbia;
Entre terça-feira (9) e quarta (10), as rajadas também levaram ao fechamento temporário de 12 parques estaduais da capital e da região metropolitana.
Uma mulher morreu após ser atingida por um muro que desabou no bairro de Sapopemba, na Zona Leste de São Paulo, na tarde de quarta-feira (10). A vítima, Claudineia Perri Castiglioni, de 54 anos, foi socorrida pelo Samu com traumatismo cranioencefálico e fratura no fêmur. Ela chegou a ser levada ao Hospital Geral de Sapopemba, mas não resistiu aos ferimentos.
Ainda na quarta, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) enviou um ofício à Enel exigindo explicações sobre o desempenho da concessionária na recomposição da energia elétrica. Em nota, a Enel disse que responderá o ofício do regulador no prazo solicitado.
Ventania derruba árvores, causa apagão e prejudica atendimentos em hospital
Quinta (11): falta de luz, voos cancelados e prejuízo no comércio
Mais de 24 horas após o início do vendaval, quase 1,4 milhão de imóveis seguiam sem energia elétrica na região metropolitana na quinta (11), sendo quase 1 milhão apenas na capital.
Na quinta, pátios lotados de veículos de manutenção da concessionária foram vistos em três pontos da cidade. A Enel justificou que os carros parados pertencem a equipes de diferentes turnos.
A empresa também informou que não havia prazo para restabelecer a energia elétrica em milhares de imóveis da capital e da Grande São Paulo.
A falta de energia passou, então, a afetar o abastecimento de água na capital e na Grande São Paulo. Sem eletricidade, as bombas não funcionam adequadamente, e a água não chega até as residências.
A Sabesp disse que, na cidade de São Paulo, seguiam afetadas as regiões: Americanópolis, Cangaíba, Parelheiros, Parque do Carmo, Parque Savoy, Sacomã, Vila Clara, Vila Formosa e Vila Romana. Na Grande São Paulo, seguiam impactadas as cidades de Itapecerica da Serra, Guarulhos, Cajamar, Mauá e Santa Isabel.
A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) informou que quase 300 semáforos estavam apagados por falta de energia na quinta, sendo 260 afetados pela falta de eletricidade, sendo a maioria no Centro, 28, apagados por falhas e alguns em amarelo piscante.
Desde quarta, houve ao menos 231 quedas de árvores na cidade de São Paulo. Segundo a prefeitura, 182 atendimentos tinham sido finalizados até a noite de quarta.
Um homem de 52 anos morreu na tarde de quinta após sofrer uma queda enquanto auxiliava na retirada de um galho de árvore que obstruía a calçada e parte da via pública na Rua Piauí, região central de São Paulo.
O Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, e o Aeroporto de Congonhas, na capital, somaram 417 voos cancelados entre quarta-feira (10) e a noite da quinta-feira (11). Só na quinta foram mais de 100 voos nesta situação.
Em Guarulhos, pelo menos 15 partidas e 39 chegadas foram canceladas na quinta. Em Congonhas, havia 67 chegadas e 52 partidas canceladas até as 22h30. A companhia aérea Gol chegou a suspender temporariamente a venda de passagens.
Os terminais amanheceram caóticos, com filas intermináveis nos balcões das companhias aéreas e passageiros dormindo nos bancos, sem saber para onde ir. Os reflexos também foram sentidos nos aeroportos do Rio de Janeiro e de Brasília.
Aeroporto Internacional de Guarulhos tem voos cancelados e operação afetada devido aos efeitos do ciclone extratropical, nesta quinta feira (11). Na foto fila de passageiros aguardando.
Roberto Casimiro/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Comércio e serviços perderam ao menos R$ 1,54 bilhão em faturamento entre a quarta (10) e a quinta (11) na capital por causa da falta de eletricidade, segundo levantamento feito pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
O prejuízo foi maior para serviços, que deixou de faturar pouco mais de R$ 1 bilhão nesse período, enquanto o comércio perdeu R$ 511 milhões.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou que a lentidão no restabelecimento de energia na Grande São Paulo após a ventania que atingiu a região é preocupante e voltou a criticar a possibilidade de prorrogação do contrato da Enel com o governo federal.
"Você vê que plano de contingência às vezes não funciona. Ontem [terça-feira] começou a ventar de manhã, ventou até o início da noite, com rajadas de quase 100 km/h. [Houve] muito transtorno, queda de árvore, e a velocidade de restabelecimento se dá muito de acordo com automação e investimento”, afirmou.
Ainda no fim da tarde, um funcionário de uma empresa parceira da Enel foi levado à delegacia pelo subprefeito da Vila Mariana, Rafael Minatogawa, após admitir que realizou um “bico” e cobrou R$ 2,5 mil para religar a energia de um endereço na região.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública confirmou que o homem foi preso em flagrante por corrupção passiva.
Após admitir cobrança de até R$ 2,5 mil por religação, funcionário da Enel é levado a DP
Sexta (12): falta de energia continua, e Nunes pede intervenção federal
Passadas quase 50 horas do vendaval que derrubou diversas árvores em São Paulo, mais de 700 mil pessoas amanheceram sem energia na região metropolitana, e as histórias de quem estava havia mais de dois dias sem energia se acumularam.
Na capital, o comerciante Renato Rino, morador da Vila Invernada, Zona Leste, viu parte dos vizinhos ter a energia reestabelecida no bairro, mas na casa dele, não.
Rino mora com os pais idosos. A energia na casa dele foi cortada às 4h da quarta e não havia retornado até a manhã da sexta (12). E ele não sabe o motivo de parte do bairro ter tido a energia retomada, e na rua dele, não.
"Em uma parte da vizinhança a gente vê que a energia voltou, na outra, não. E não faz sentido parte do bairro que estava todo sem energia ter voltado e outra parte, não. E a gente não tem nenhuma perspectiva de volta."
Sem luz, idosa de 90 anos tem queda na Rua Steve Biko, após 3° dia sem luz em SP
A sócia do restaurante de culinária africana Manden Baobá, que fica na Zona Sul da capital, fez um apelo nas redes sociais após perder mercadorias e clientes devido à falta de energia por mais de 24 horas.
No vídeo, Laila Santos, de 30 anos, se emociona ao dizer que está sofrendo prejuízos desde que acabou a energia (veja abaixo).
"Tem luz na esquina, mas para cá, não. Eu peço encarecidamente que a gente consiga compartilhar esse vídeo para que chegue às autoridades e que a gente consiga resolver isso o mais rápido possível, porque a conta de luz já chegou, mas a energia, nada. E aí, Enel?", desabafou.
Ao g1, ela relatou que chegou a perder uma reserva grande feita para a confraternização de uma ONG. "Não estou conseguindo abrir o restaurante. Perdemos clientes, essa reserva grande. Abri oito chamados na Enel e nada de ver caminhão da empresa pelo bairro. Somos em quatro pessoas aqui e não conseguimos abrir", disse.
Sócia de restaurante africano faz apelo após perder mercadorias e ficar sem energia
A analista Camila Guimarães, moradora do Jardim Elisa Maria, na Zona Norte, enviou ao g1 um vídeo mostrando a rua dela sem energia pelo 3° dia seguido. No vídeo, ela registra os alimentos na geladeira estragando e a rua toda às escuras, mesmo sem nenhum dano aparente na rede da via.
“Minha avó idosa caiu no escuro e machucou toda a mão. Ela ainda está se recuperando de um AVC e têm sido dias muito difíceis em energia. A gente está há 3 dias sem luz, liga para a Enel, e eles nem transferem para um atendente porque dizem já termos protocolo. As contas estão todas em dia, não devemos nada para a Enel. Mas o descaso é sem tamanho”, disse Camila.
“É revoltante o que nós estamos vivendo. A empresa simplesmente não atende o telefone, não dá uma previsão. Na nossa rua tem muitas famílias com gente acamada”, ressaltou.
Prefeito Ricardo Nunes defende intervenção federal na Enel de SP
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), defendeu na sexta (12), em entrevista à rádio CBN, a intervenção federal na Enel pela demora no restabelecimento da energia na Grande São Paulo.
"O que a gente gostaria é que o governo federal fizesse a intervenção na Enel, começasse o processo de caducidade e iniciasse contratar, fazer a concessão com uma empresa que tenha a capacidade de atender as demandas de São Paulo".
Mais tarde, em coletiva de imprensa, Nunes afirmou que a Enel mente ao dizer que tem 1.500 equipes trabalhando para normalizar o serviço em São Paulo.
“Não existe isso da Enel ter 1.500 equipe na cidade. Posso afirmar categoricamente: isso aqui na cidade não é verdade. Nós temos nesse momento 48 árvores que aguardam desligamento de energia para fazer a remoção [e eles não aparecem]”, declarou.
“Nós tivemos casos em 2023, em 2024 e agora em 2025. E se essa empresa continuar, nós vamos continuar tendo casos em 2026, em 27 e em 28. A gente precisa conversar com o governo federal que chegou no limite, que extrapolamos o limite para que tenha uma intervenção nessa empresa e seja substituída por uma empresa que dê atendimento à população. Não é aceitável que a gente passe por isso, que tenha as pessoas sofrendo. E sabemos que não vai melhorar.”
Veja abaixo fotos das quedas de árvores e falta de energia
Árvore caiu sobre carro em condomínio na Zona Sul da capital
Arquivo pessoal
Árvore cai em cima de carro na Rua Oscar Freire
Alessandro Batata/TV Diário
Equipes da Prefeitura retiram galhos e o tronco de uma árvore de grande porte caiu na Rua Diogo Jacome, no bairro de Vila Nova Conceição, na zona sul da São Paulo, atingindo e danificando a rede elétrica.
MARCO AMBROSIO/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Árvore cai na avenida Fábio Prado, na Chácara Klabin, e atinge um carro.
Arquivo pessoal
Trecho às escuras entre as ruas Massao Watanabe e General Penha Brazil, Jardim Pery Alto, Zona Norte da cidade de São Paulo (SP), no final da noite de quinta-feira, 11 de dezembro de 2025, após a ventania de atingiu a capital na última quarta-feira, 10.
Marcelo Oliveira/Raspress/Estadão Conteúdo
Árvore caiu na Praça da Árvore, na Zona Sul de SP.
Arquivo pessoal
Comerciantes e moradores do bairro Jardim Nova Vitória, na região de São Mateus, zona leste de São Paulo (SP), estão sem energia elétrica, reflexo do vendaval que atingiu a capital paulista.
EDI SOUSA/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO