Pedreiro tem perna amputada e morre por negligência médica; prefeitura é condenada a pagar R$ 300 mil à viúva
08/07/2025
(Foto: Reprodução) Prefeitura de Guarulhos (SP) foi condenada a pagar indenização por danos morais à viúva do pedreiro, além de uma pensão mensal de mais de mil reais até 2041. Cabe recurso da decisão. Prefeitura de Guarulhos (SP) foi condenada pela morte de pedreiro de 55 anos por negligência médica
Arquivo Pessoal e Reprodução/TV Globo
A Justiça condenou a Prefeitura de Guarulhos (SP) pela morte do pedreiro Antônio Lisboa dos Santos, de 55 anos, por negligência médica. Segundo a sentença, obtida pelo g1, a viúva da vítima será indenizada em R$ 300 mil por danos morais e também receberá uma pensão mensal de R$ 1.012,00 até 2041, quando o homem completaria 76 anos. Cabe recurso da decisão.
✅Clique aqui para seguir o canal do g1 Santos no WhatsApp.
O caso ocorreu em 2020 e, de acordo com a decisão judicial, a perna de Antônio necrosou e precisou ser amputada após uma série de idas a unidades de saúde na cidade, nas quais ele relatou dores. O pedreiro passou pela cirurgia para a retirada do membro, mas não se recuperou e morreu com embolia das artérias dos membros inferiores e insuficiência renal aguda.
Para o juiz Rafael Tocantins Maltez, a gravidade na demora do atendimento ao pedreiro foi evidenciada por meio de relatórios apresentados no processo. "O dano moral causado à autora é inegável, pois a perda de um familiar nas circunstâncias ora delineadas causa intensa dor e sofrimento". Moradora de São Vicente, no litoral de São Paulo, a viúva receberá a indenização e a pensão mensal.
Procurada, a Prefeitura de Guarulhos informou que, como qualquer órgão público, não deve comentar processos judiciais que ainda estejam em andamento, principalmente quando envolvem pessoas físicas, das quais não existe autorização para isso.
Morte de Antônio
O caso começou em 29 de abril de 2020, quando o pedreiro procurou o Hospital Municipal Pimentas Bonsucesso, em Guarulhos, com dores e cãibras na perna direita. Ele foi atendido de forma rápida pelo médico plantonista, que o diagnosticou com lesão muscular leve e receitou um medicamento para dor.
Com os mesmos sintomas, Antônio retornou à unidade em 10 de maio e recebeu o mesmo atendimento, porém de outro médico, que prescreveu anti-inflamatórios. Com a persistência e aumento das dores, ele foi à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Cumbica dois dias depois.
Na UPA, novamente recebeu diagnóstico de lesão muscular com prescrição de analgésicos e sem a solicitação de exames. Em casa, os remédios prescritos não surtiram efeito e o pedreiro desmaiou com as dores.
Em 15 de maio, Antônio foi levado ao Hospital Municipal Pimentas Bonsucesso e os médicos solicitaram o exame de imagem de ultrassom para avaliar a obstrução arterial na perna, que só foi realizado três dias depois por não estar disponível na unidade.
Enquanto Antônio aguardava pelo exame, a perna dele começou a necrosar - o que também atingiu os rins dele. Em 18 de maio, o pedreiro foi inserido na fila de espera da Central de Regulação de Ofertas de Serviço de Saúde (Cross) para a realização de cirurgia vascular.
Antônio foi submetido à cirurgia para amputação da perna em 23 de maio após ser transferido à Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, na capital paulista. Ele não se recuperou e morreu em 16 de junho com embolia das artérias dos membros inferiores e insuficiência renal aguda.
Decisão judicial
Fabricio Posocco, advogado que representa a viúva do pedreiro, explicou que a pensão a ser paga pela ré, até 2041, considera a expectativa média de vida do brasileiro, conforme a tabela do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vigente à época da morte, que era 76 anos.
"Conseguimos comprovar por documentos que o serviço público de saúde de Guarulhos não prestou o atendimento médico adequado ao falecido marido da autora, considerando a demora em realizar procedimentos urgentes e a indisponibilidade de exames que se mostravam essenciais para o correto diagnóstico de Antônio", afirmou o advogado.
A defesa, de acordo com Posocco, apresentou como provas:
A demora no diagnóstico correto para que pudesse ser feito o tratamento adequado de Antônio;
Dano material e moral causado à autora por conta do falecimento do seu marido;
Dano material provocado pela demora no diagnóstico e no início do tratamento médico correto, bem como na demora para realização da cirurgia;
Negligência na demora do diagnóstico, na demora da condução de procedimento e tratamento médico adequado de cirurgia para amputar a perna do paciente.
Para ele, o Poder Judiciário se mostrou sensível à análise do problema do paciente e reconheceu a responsabilidade das falhas prestadas no atendimento do serviço público de Guarulhos.
"A decisão do juiz mostra que o Poder Judiciário está atento às falhas de atendimento, realizando a devida justiça para uma esposa que teve a companhia de seu marido ceifada por um erro absurdo de atendimento", afirmou.
Fachada do Hospital Municipal Pimentas Bonsucesso em Guarulhos, na Grande SP
Divulgação
'Verdadeiro pesadelo'
A filha do pedreiro, que preferiu não ser identificada, relembrou a situação enfrentada pela família. "Foi um verdadeiro pesadelo, uma situação de desespero que a gente nunca espera viver, especialmente quando se trata da saúde de quem a gente ama".
De acordo com ela, o serviço público de saúde de Guarulhos falhou "miseravelmente", custando a vida do pai. "Ele foi ao posto de saúde três vezes, reclamando de dores terríveis. E o que fizeram? Simplesmente olharam para ele, sem um toque, sem um exame, e disseram que era só uma lesão muscular. [Davam] dipirona e mandavam ele para casa como se fosse nada".
A mulher relatou o sentimento de impotência. "Ele lutou muito, meu pai era um guerreiro, mas o corpo dele não aguentou [...]. Ele nos deixou, foi a dor mais profunda que já senti. Meu pai foi por negligência, por falta de atenção, por um sistema que deveria proteger e que, no fim, tirou dele a chance de viver".
Ela também considerou que a decisão do juiz foi correta e justa porque os pacientes merecem ser tratados com respeito e dignidade. "Não é porque as coisas são feitas pelo SUS [Sistema Único de Saúde] que as pessoas podem ser atendidas de qualquer jeito".
"Essa história não é só minha, é de muitas famílias que sofrem nas filas, nos diagnósticos errados, na espera que nunca chega. A perda do meu pai é uma ferida que nunca vai cicatrizar, e eu quero que a história dele sirva de alerta para que nenhuma outra família passe por isso", finalizou ela.
Veja outro caso
Pedreiro encontra corpo estranho com larvas dentro de molho de tomate no interior de SP
A Fugini foi condenada a indenizar por danos morais um pedreiro que encontrou um corpo estranho com larvas em um molho de tomate. O produto foi usado no preparo de uma macarronada consumida por ele e pela filha, em Miracatu, no interior de São Paulo. O Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) reconheceu que ambos foram submetidos a uma situação de desespero, angústia e repugnância.
VÍDEOS: g1 em 1 Minuto Santos